Recursos humanos: gestão ou indigestão?
por Dilen Ratanji, Diretor-Geral da VetBizz Consulting, em Veterinária Atual.
É a primeira vez que dedico um artigo para falar sobre recursos humanos. Tenho formação académica e profissional na gestão de recursos humanos, mas não sou seguramente um especialista. Mas também não preciso sê-lo, quando, após dezenas de sessões de consultoria em inúmeros CAMV de Norte a Sul do país, chego à conclusão que uma das maiores “dores de cabeça” dos Directores Clínicos e Gestores é saber gerir da melhor forma os recursos humanos que colaboram directa ou indirectamente com o seu CAMV. Quando falamos das principais áreas de actuação de uma empresa, lembramo-nos de imediato dos recursos humanos, marketing, administrativa, finanças e gestão de operações. Mas a área de recursos humanos é seguramente das mais críticas na gestão de uma empresa. Costuma dizer-se que o cliente é o principal activo de uma empresa. Pois bem, concordo, mas parcialmente: não há clientes, quando não temos recursos humanos. Sem motivação, não há empenho e sem empenho não há negócio. O drama que assisto diariamente nos CAMV está relacionado com atritos entre auxiliares com os médicos veterinários, sendo que os primeiros queixam-se da altivez dos segundos; por outro lado, pelo seu papel mais polivalente, acham que são merecedores de maior respeito, não só porque executam mais tarefas diferentes, como (eventualmente) são mais produtivos. É tudo muito discutível, obviamente, e depende de caso para caso. Há outras situações em que os atritos existem dentro de cada função: auxiliares que se queixam à direcção clínica das(os) suas(eus) colegas porque não cumpriram as tarefas que lhes estavam indigitadas para um determinado turno, sucedendo-se o mesmo em relação a enfermeiros e médicos veterinários. Depois, tradicionalmente nas estruturas de maior dimensão, encontramos sempre os “grupinhos” que, para o bem ou para o mal, têm que coexistir e interagir diariamente, embora os elementos de cada “grupinho” não possam estar sempre juntos, pelas vicissitudes dos horários que estão estipulados para o mês. Nestes casos, cabe ao Director Clínico assegurar que a qualidade de serviço não é “beliscada”, de forma a manter o nível de excelência na prestação de serviços aos clientes. Em suma, temos que ser algo “hipócritas” em prol de um atendimento de qualidade àqueles que sustentam os nossos ordenados: os clientes. Uma tarefa fácil? Não, antes fosse. Também, enquanto consultores, já validámos a tese de que os CAMV que não têm estabilizado um manual de procedimentos e protocolos clínicos está mais sujeito a reclamações dos clientes. A estandardização de procedimentos, para além de uniformizar os cuidados médico-veterinários, orienta de melhor forma os recursos humanos no desempenho das suas funções, pelo que se torna um documento obrigatório nos CAMV.
Outros problemas de recursos humanos assolam os dirigentes de um CAMV, como por exemplo o facto dos colaboradores não se empenharem o suficiente em eventos que são promovidos para clientes e potenciais clientes, uma vez que isso implica terem que trabalhar para além do seu horário de trabalho. Até aqui não vemos qualquer inconveniente, o verdadeiro problema está relacionado com o facto dos colaboradores exigirem remuneração extra, que os Directores Clínicos não estão dispostos a pagar, pois argumentam que tem tudo a ver com o “amor à camisola” que eles sentem (ou não!) em relação ao trabalho que desempenham. Permito-me ainda de falar numa função que está em ascenção no panorama veterinário, mas que até hoje não teve o devido reconhecimento: os enfermeiros veterinários. Nas estruturas de maior dimensão (nomeadamente hospitais), estes enfermeiros desempenham efectivamente as funções para o qual estudaram vários anos, mas em CAMV de menor dimensão é frequente desempenharem as mesmas funções que um(a) auxiliar. Nestes casos, vantagens que os enfermeiros têm sobre as auxiliares? Melhor formação (designadamente em termos académicos) e maior qualificação técnica. Com uma oferta abundamente de enfermeiros veterinários face à procura existente, os ordenados que são oferecidos aproximam-se muito mais dos ordenados das auxiliares do que dos médicos veterinários. E isso é uma vantagem competitiva face às auxiliares que “apenas” tiraram um curso de média duração para exercer esta função no CAMV. Mas em inúmeros CAMV as auxiliares da “velha guarda” mantêm firme a sua posição e dificilmente um enfermeiro veterinário conseguirá substituir o seu papel, pois a antiguidade continua a ser um posto. E a experiência também.
Face ao exposto cabe-me ser imparcial: está mais que provado que os CAMV com uma liderança mais efectiva são os que menos problemas têm na gestão de recursos humanos. Por outro lado, os colaboradores têm que ter uma noção clara do que custa manter uma empresa, pelos custos fixos e variáveis que esta tem de suportar todos os dias. E na maior parte das vezes, não têm. E é por esta razão que promovemos regularmente acções de sensibilização junto das equipas, demonstrando com números qual é negócio que necessitamos de gerar no CAMV para cobrir os custos totais. Muitas vezes os colaboradores ficam incrédulos, por não imaginavam sequer a dimensão dos custos existentes. E isso acaba por ser o tónico para a vontade de uma mudança na atitude e comportamentos em prol da empresa.
Enfim, se se identifica com muitos dos problemas relatados acima, deixe-me confortá-lo: não é o único. Aliás, arrisco-me a dizer que mais de 80% dos CAMV deparam-se diariamente com muitos destes problemas. Enquanto Director Clínico e/ou Gerente, trabalhe todos os dias para ser um chefe melhor, preferencialmente um líder. Enquanto colaborador (auxiliar, enfermeiro veterinário ou médico veterinário), cultive diariamente o seu orgulho e sentimento de pertença em relação ao CAMV, agradeça por ter um emprego num contexto económico altamente desfavorável e perceba que o sucesso do CAMV será o seu sucesso.
Gestão ou indigestão? Eis a questão.
(O autor escreve de acordo com a antiga ortografia)