
Covid: a saga continua…
Tomo a liberdade de iniciar a presente crónica com uma sentida homenagem a uma grande senhora, que deixou este mundo no passado dia 5 de Abril. De trato fácil, empática, generosa, delicada, sorridente, enérgica, mas acima de tudo, um grande ser humano. Falo-vos da minha MÃE: uma palavra pequena, mas com um significado infinito, pois quer dizer amor, dedicação, renúncia a si própria, força e sabedoria. Partiu sem nos avisar e sem termos tido a oportunidade de nos despedirmos dela, vítima do covid-19, o maldito que tem apoquentado dezenas de milhares de famílias pelo mundo inteiro e que, silenciosamente, tem vindo a… silenciar o mundo. Foi uma tragédia cruel e surreal, que parece mais ter saído de um livro de ficção científica. Mas a vida continua e eu e a minha família teremos que nos reerguer com toda a coragem e força. À minha querida mãe, que nos continue a guiar eternamente e que a sua alma descanse em paz.
O tema do momento continua o mesmo: covid-19 e todas as suas implicações de natureza social, política e económica. Na crónica passada, redigida precisamente há um mês atrás (dia 20 de Março), indicava que à escala mundial tínhamos 245.484 infectados, 10.031 mortes e 86.035 recuperados. Hoje, dia 20 de Abril, temos 2.519.649 infectados, 173.755 mortes e 660.795 recuperados. Um crescimento exponencial de casos, absolutamente devastador, e que parece não ter fim.
Marcelo Rebelo de Sousa está a exercer pressão junto da banca, chamando o sector a assumir as respectivas dificuldades. Se anteriormente foram os portugueses que salvaram os bancos e respectivos accionistas e investidores, agora é a vez da banca de dar o seu contributo. Não poderia fazer mais sentido. Definitivamente, a banca tem de se consciencializar que este não é o momento para obter lucros e distribuir dividendos, é antes a altura de evitar que a economia se afunde e que deixem de beneficiar das receitas de particulares e empresas num futuro que se espera próximo.
Estou convicto de que a maioria das pessoas ainda não está totalmente consciente das consequências nefastas que esta pandemia terá na economia mundial e, em particular, nas economias mais frágeis como é o caso de Portugal. Para além das perdas humanas, as consequências económicas estão já à vista: uma enorme estagnação da actividade económica e do seu correspondente efeito sobre o emprego. Ou seja, as consequências vão ser incalculavelmente desoladoras, até porque acresce que, sendo a crise “simétrica” e não localizada em certas partes do mundo, ela afecta muito fortemente a maioria dos nossos parceiros comerciais tradicionais, designadamente europeus, o que terá um impacto brutal sobre as nossas exportações. Espanha, o nosso maior importador, é uma das economias mais afectadas em todo o mundo e prevê-se que terá uma quebra de 8% no seu PIB. Este “Grande Confinamento” ficará para a História, pois o FMI considera que será “muito pior” do que a “Grande Recessão” de 2008 e 2009. Em Portugal, o desemprego em quatro semanas aumentou mais do que a recuperação de toda a criação de emprego nos últimos 10 anos. Em quatro semanas destruíram-se mais empregos do que se criaram em dez anos. E a economia tem estado numa expansão contínua nos últimos dez anos. A taxa de desemprego vai praticamente duplicar neste curto período de tempo, podendo superar a barreira dos 14%.
Todas as projecções que temos visto na televisão e na imprensa em geral valem o que valem, pois a quebra económica depende de factores que interagem de maneiras que são difíceis de prever. Que factores são esses? A incerteza na evolução da pandemia, a intensidade e eficácia dos esforços de contenção, a extensão das disrupções na oferta, a evolução dos mercados financeiros mundiais, mudanças nos padrões de despesa, mudanças de comportamentos (como pessoas evitarem centros comerciais, estádios ou transportes públicos), efeitos nos níveis de confiança, e os preços voláteis das matérias-primas.
De que forma poderemos superar esta crise? Primeiramente, com coragem, responsabilidade e confiança, sobretudo nesta fase em que estamos ainda a tentar evitar males maiores em termos dos objectivos que o Governo definiu e para os quais tem vindo a orientar os portugueses – salvar vidas e contrariar ao máximo uma paralisação da economia. Assim sendo, é fundamental que em inícios de Maio empresas de determinados sectores de actividade tenham a possibilidade de reiniciar os trabalhos, ainda que com as devidas contingências. Felizmente, os CAMV não pararam a sua actividade, apesar de exercerem sob inúmeras limitações. A já conhecida resiliência e a combatividade dos portugueses serão convocadas para se somarem à mobilização da imensa energia e capacidade colectiva acumuladas na nossa sociedade. Só assim conseguiremos o regresso à nova normalidade por que ansiamos. Refiro “nova normalidade” porque sou dos (muitos) que acredita que o mundo jamais será o mesmo no pós-Covid. Surgiu do nada um ser invisível, de “peito feito”, a querer mostrar aos seres humanos o quão insignificantes podem ser. O coronavírus é que dita as regras e nós só temos que rezar para que ele não se zangue a sério. Perante esta adversidade, a forma como olhamos para o mundo e para a vida, para as nossas prioridades, alterar-se-ão dramaticamente. Muita coisa mudará doravante, sendo que ainda não nos é possível avaliar até onde irá essa mudança. Mas acredito que ela terá muito mais a ver com novos padrões de comportamento e filosofias de vida ou, como disse há dias um comissário europeu, que esta crise “escreverá um novo mundo com outras regras”. No plano da economia, não diria tanto que se terá de reinventar uma nova, pois o capitalismo sempre se refunda a cada crise económica. A crueldade dos factos tenderá a forçar uma boa parte dos agentes económicos a repensar a lógica egoísta e gananciosa que comandava a sua actividade, em favor de outras dimensões de igual ou superior relevância, como é caso das questões de natureza social e ambiental. Lá está, há prioridades que inevitavelmente sofrerão alterações significativas.
No meio desta pandemia e de todas as questões que a rodeiam, e mesmo sabendo que a recuperação económica para níveis que assistimos no período pré-Covid nunca será inferior a 24 meses, fica a certeza de que melhores dias virão…